Nerdaiada imagine que você está numa viagem de férias, mas acorda com dor de cabeça e decide ficar no hotel. Para convencê-lo do contrário, um amigo oferece a você um "remédio que, olha, é tiro e queda".
A dor passa meia hora depois. Quando questionado sobre que remédio era aquele, seu amigo diz, aos risos, "açúcar". Você foi vítima do efeito placebo. Acredite, pode não ter sido a primeira vez: um estudo da Universidade de York, no Reino Unido, sugere que os placebos também funcionam com games.
O chamado efeito placebo é um dos mistérios que permeiam a fisiologia humana. Um médico receita uma pílula e a pessoa se cura depois de algum tempo. O médico só não disse a ela que o medicamento é feito de açúcar, farinha ou qualquer outra substância sem ação farmacológica. No final das contas, ela se curou por acreditar que ficaria curada (ou por algum mecanismo relacionado a essa crença).
Registros indicam que cientistas estudam esse fenômeno pelo menos desde a década de 1950, mas, até hoje, ninguém sabe ao certo como o efeito placebo funciona. O fato é que esse fenômeno tem ajudado bastante a ciência a desenvolver tratamentos. É comum, por exemplo, pesquisadores compararem os efeitos de uma nova droga com testes feitos com pessoas que experimentaram placebos. Com essa comparação fica mais fácil descobrir se o medicamento tem mesmo o efeito esperado.
Ao longo dos anos, os pesquisadores descobriram que o efeito placebo não precisa funcionar, necessariamente, com remédios. Na verdade, é o contexto que tem influência. Vários experimentos já foram realizados para comprovar isso.
Em um deles, pacientes que sofriam de artrose (condição que promove desgaste das cartilagens que recobrem as extremidades dos ossos) foram submetidos a uma cirurgia para aliviar as dores causadas pelo problema. Os resultados foram positivos. No entanto, a cirurgia não aconteceu de verdade: os médicos se limitaram a fazer pequenas e inofensivas incisões na pele, apenas para a pessoa acreditar que estava sendo operada.
Paul Cairns, professor de interação homem-máquina da Universidade de York, teve a ideia de verificar se o efeito placebo pode ser alcançado com jogos após assistir a um programa de TV que mostrou como pílulas de açúcar fizeram cliclistas melhorarem seu desempenho nas corridas.
Para tanto, Cairns convidou 21 pessoas para jogarem Don't Starve, um jogo de aventura lançado em 2013. O experimento foi dividido em duas etapas. Na primeira, o pesquisador disse aos participantes que os mapas do jogo seriam gerados aleatoriamente; na segunda, que um sistema de inteligência artificial criaria os mapas com base na experiência do jogador, como se fosse uma personalização.
Após as duas etapas, os participantes preencheram um questionário. Nele, todos revelaram que a segunda rodada foi mais divertida. Um jogador disse até que o sistema de inteligência artificial reduziu o tempo de exploração do mapa, deixando o game mais agradável. Outro afirmou que o sistema o colocou em um ambiente mais seguro e que pareceu apresentar recursos conforme a necessidade.
Eles só não sabiam de um detalhe: não havia nenhum sistema de inteligência artificial ali. Em ambas as etapas, os mapas foram apresentados de modo aleatório, pelo mesmo processo. Os participantes só se divertiram mais na segunda rodada porque acreditaram que algum mecanismo tornou o jogou mais interessante.
Mais um experimento foi realizado, mas com 40 participantes divididos em dois grupos. O primeiro jogou Don't Starve com mapas aleatórios, enquanto que o segundo foi informado de que jogaria uma versão com inteligência artificial.
Novamente, tudo mentira. Ambos os grupos jogaram exatamente o mesmo game. Mas o segundo grupo, acreditando ter experimentado uma versão mais atual do jogo, se divertiu mais.
Seja com remédios, seja com jogos, por que isso acontece? Como já dito, o mecanismo exato do efeito placebo ainda é desconhecido. Mas muitos cientistas acreditam que a atenção seletiva tem um papel importante nessa história.
A crença alimenta expectativas. O anseio para atendê-las é tão grande que a mente pode acabar se concentrando nos aspectos com mais chances de resultados positivos. Desse modo, a mente da pessoa que recebeu um placebo fica ocupada e então desvia a atenção das dores e emoções negativas, o que ajuda no processo de recuperação.
Em relação aos games, a expectativa de algo novo, diferente ou mesmo exclusivo pode acabar fazendo com que o jogador ignore alguns aspectos maçantes ou simplesmente passe a prestar atenção em características que aumentam o entretenimento, mas que não haviam sido notadas anteriormente.
Se pensar bem, talvez você se lembre de algum jogo que teve alguma atualização que o deixou mais interessante, mas que, no fundo, não trouxe tantas novidades assim. Mas isso não quer dizer, necessariamente, que você tenha sido enganado: se analisarmos as relações de consumo como um todo, veremos que elas são fortemente associadas às expectativas. Assim, se você não se decepcionou, em tese, está tudo bem.
No universo dos games, o estudo pode ajudar a compreender melhor como a apresentação de uma ideia pode influenciar no sucesso de um jogo ou de uma franquia. Se o desenvolvedor souber criar expectativas em torno de um novo título ou de uma atualização, as chances de boa receptividade aumentam consideravelmente. Só não vale mentir, né? Se foi prometido, coloque o bendito do sistema de inteligência artificial lá, mesmo que não seja grande coisa.
Fonte:gamevicio
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